Não restam mais dúvidas: o Governo Militar interferiu diretamente para que o ex-arcebispo de Olinda e Recife, dom Helder Camara, não recebesse o prêmio Nobel da Paz. A manobra foi comprovada através de documentos inéditos obtidos pela Comissão Estadual da Memória e Verdade (CEMVDHC). O quarto volume dos Cadernos da Memória e Verdade, que revela detalhes do caso, foi lançado nesta sexta-feira, 18, durante solenidade ocorrida no Palácio do Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco.
O Dom da Paz foi indicado em três oportunidades à premiação no início nos anos 1970. Tido como favorito, o ex-arcebispo foi intensamente procurado na época pela imprensa internacional, que dava como certa a conquista.
De acordo com o coordenador da Comissão da Verdade PE, Fernando Coelho, o dossiê apresenta correspondências oficiais obtidas com o Ministério de Relações Exteriores e adentra numa esfera pouco explorada em relação à Ditadura: a área da diplomacia. O material foi obtido durante os dois anos de atuação da CEMVDHC. “Publicamos dezenas de documentos oficiais, correspondências, por exemplo, do ministro das Relações Exteriores para os embaixadores, do embaixador para o ministro dando instruções e dando conta das providências tomadas para impedir que dom Helder recebesse o Nobel. O conteúdo é objetivo, claro e determinante e traz providências e prestação de contas”, revela Coelho.
O arcebispo metropolitano, dom Fernando Saburido, foi ordenado sacerdote por dom Helder há 32 anos. O religioso comemorou a elucidação do fato. “A conclusão da investigação foi um presente de Natal para a nossa arquidiocese e para o mundo porque era algo que se especulava muito. Agora chegou a documentação comprovando que ele foi indicado mais de uma vez para receber a honraria e opositores fizeram por onde isso não acontecesse. De modo que, a justiça se fez. Nós estamos contente por ter a clareza de tudo o que aconteceu naquela época”, contou o epíscopo.
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara, destacou o valor de dom Helder para o Estado. “O dano produzido pelos senhores da Ditadura revela-se hoje de forma plena no documento que é entregue à sociedade. Perseguir e ameaçar dom Helder já não era suficiente. Os documentos demonstram também a busca por denegrir e calar sua voz, embora, o seu apostolado seu apostolado fosse tão só em defesa dos direitos humanos. Dom Helder representa para todos os pernambucanos uma marca de coragem, de clamor pelos pobres e excluídos. Viva a democracia! Viva dom Helder Camara”, exaltou o governador.
Comissão
A Comissão Estadual da Memória de da Verdade Dom Helder Camara foi instalada, pelo ex-governador Eduardo Campos, no dia 01 de junho de 2012, em solenidade no Palácio do Campo das Princesas. Em junho de 2014, os trabalhos da CEMVDHC foram prorrogados, por mais dois anos. Os membros trabalham numa lista preliminar com os nomes de 51 pernambucanos mortos, desaparecidos ou vítimas de graves violações dos direitos humanos, ocorridas no estado ou no Brasil, durante a repressão. O grupo de trabalho já realizou 47 sessões públicas e 33 reservadas. Foram colhidos até o momento 139 depoimentos.
A documentação obtida e produzida pela comissão pode ser acessada através do site da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe).
Canonização
Dom Fernando contou que o documento produzido pela CEMVDHC irá compor a fase diocesana do processo de beatificação e canonização do Servo de Deus dom Helder Camara. O volume junto com os demais materiais obtidos desde o dia 3 de maio serão enviados para o Vaticano, quando esta etapa for concluída. “Aqui no Recife, praticamente, terminamos. Temos ainda que escutar algumas pessoas no Rio de Janeiro e no Ceará. Acredito que isso deva durar uns seis meses”, disse o religioso. Terminada a fase diocesana, o postulador elaborará o “Positio”. Trata-se de um compêndio dos relatos e estudos realizados pela comissão, contendo uma biografia documentada e a apresentação das virtudes teologais e cardeais praticadas pelo Servo de Deus. Assim que aprovado, o papa concede o título de Venerável Servo do Senhor.
Fonte: Site da Arquidiocese de Olinda e Recife